terça-feira, 28 de julho de 2009

Jared Diamond Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso.

Neste livro, o autor tenta padronizar os casos de alguns povos em cinco possíveis fatores que contribuem para o colapso: dano ambiental, mudança climática, vizinhanças hostis, parceiros comerciais amistosos e as respostas da sociedade aos problemas ambientais. Ruanda, República Dominicana e Haiti, China e finalmente Austrália são as nações analisadas nesta segunda fase por Diamond.

Superpopulação – Ruanda

De Ruanda na África o tema-problema da superpopulação é central: “O povo da África Oriental nos impressionou pela sua hospitalidade, carinho com nossos filhos, suas roupas coloridas _ e seu número. Ler um texto sobre explosão demográfica é uma coisa; outra é encontrar dia após dia, filas de crianças africanas ao longo das estradas, muitas delas quase do tamanho e idade dos meus filhos [15 anos], pedindo aos turistas que passam de carro um lápis para usar na escola.” A explosão malthusiana de crescimento deu-se principalmente por causa do “aumento da produção de alimentos devido a introdução de espécies exóticas (batata-doce, mandioca, feijão e milho), a crescente vacinação, algum controle da malária, mais antibióticos e a possibilidade de exploração de terras antes inexploradas por causa do estabelecimento quase definitivo das fronteiras políticas” (páginas 377-378).

Ruanda e o vizinho Burundi, são formados por dois grupos diferentes: os hutus, mais baixos, corpulentos e escuros, praticantes da agricultura, e os tutsis, que tradicionalmente são pastores, têm pele mais clara, lábios finos e são mais esguios. Estes últimos (provavelmente pela aparência) foram os preferidos pelos belgas para intermediar uma colonização que começou em 1916 e terminou em 1962, com uma espiral de assassinatos, com tutsis (15 por cento da população) e hutus matando-se mutuamente.

Os tutsis venceram em Burundi e os hutus em Ruanda, que apesar de certa prosperidade durante 15 anos sob a ditadura do general hutu Habyarimana (sempre ameaçada por disputas pontuais), degringolou de novo para a guerra civil em 1994, quando ele teve seu avião derrubado por correligionários extremistas. Para o azar das populações, também estava a bordo o novo presidente de Burundi, já que ambos haviam ratificado um acordo de paz estabelecido um ano antes.

Logo após o atentado, as rádios de Ruanda conclamaram a população ao extermínio das “baratas” (apelido pejorativo dos tutsis) e foram distribuídos mais de 500 mil machadinhas e em apenas seis semanas, 800 mil tutsis foram mortos. Depois, a Frente Patriótica de Ruanda liderada pelos tutsis conseguiu organizar o país com o saldo de mais 60 mil mortes, a prisão de 135 mil envolvidos no massacre, e, se miséria pouca é bobagem (a frase é cruelmente adequada) ocorreu ainda o exílio de 2 milhões de hutus.

Neste cenário desolador que parece ter origem apenas nas raízes mais profundas do ódio tribal, Diamond, por meio de extensa e refinada literatura científica, mostra que, antes da explosão do genocídio de 1994, todos os ingredientes para seu estopim já estavam prontos: densidade populacional altíssima (293 indivíduos por km²), métodos agrícolas tradicionais e inadequados, falta de controle populacional (o leitor me perdoe, é terrível dizer isto, mas nem as matanças nas décadas anteriores foram suficientes para diminuir a população), desmatamentos que acarretaram grandes erosões, assoreamento de rios, e a mudança local de clima com chuvas cada vez mais irregulares. Desta forma, dos cinco pontos previstos por Diamond, três deles (dano ao ecossistema, mudança climática, e as respostas inadequadas da sociedade aos problemas) foram fundamentais para este calvário, que continua, do povo ruandense.


Ditadores Ambientais – República Dominicana e Haiti

O leitor me perdoe de novo, mas ainda tenho más notícias, que vêm do Haiti. Descoberta por Colombo em 1492, três décadas depois, os 500 mil índios americanos (tainos) da ilha de Hispaniola foram reduzidos a 11 mil, devido a doenças européias. Assim, foi necessário trazer escravos da África, para o trabalho agrícola. Desinteressada por esta ilha, a Espanha cedeu lugar à França que depois também voltou para casa (fim do século XVIII). A ilha então foi dividida em Haiti (com língua creole, uma adaptação tropical do francês) e República Dominicana (espanhola).

Com a ajuda de capital externo (europeu e depois norte-americano), os dominicanos criaram uma economia de mercado deixando os haitianos para trás, mas ambas continuavam suas respectivas sucessões de golpes-sobre-golpes, com a história se repetindo como farsa, até 1930. Foi quando Rafael Trujillo se elegeu presidente e tornou-se ditador da República (sic!) Dominicana (ficou no poder até 1961) e logo após um desastroso governo democrático, o cruel Balaguer, chefe da polícia de Trujillo, chegou ao poder. Ambos os ditadores mostraram-se bons administradores (modernizantes, tanto em técnicas agrícolas como em parques industriais), mas Trujillo tinha uma gana de enriquecimento pessoal que era totalmente oposta a Balaguer, para quem “a corrupção acabava na porta do escritório”.

O leitor deve estar se perguntando “E daí? Eles não passam de ditadores comuns latino-americanos”, mas é aí que nos enganamos, pois Trujillo e Balaguer foram “ditadores-ambientais”, criando e preservando (de fato), inúmeras florestas na República Dominicana. Tinham motivos diferentes, pois o primeiro queria ser o único a explorar a madeira (e fazia isto lentamente), o segundo tinha razões que a própria razão desconhece (chegou a passar a responsabilidade da proteção florestal do Departamento da Agricultura para as Forças Armadas!). Diamond tenta desvendá-las, mas sem sucesso: “Subconscientemente tendemos a esperar que as pessoas sejam boas ou más, (…) e é difícil para nós descobrir que as pessoas não são consistentes, mas na verdade, mosaicos de atributos formados por diferentes conjuntos de experiências não correlatas”. E se consola com o fato que nem mesmo os dominicanos, incluindo os historiadores locais, conseguem entender Trujillo. Pudera, como entender a cabeça de um líder que protege uma árvore, mas deixa a população a sua própria sorte, ao mesmo tempo em que tortura e mata um ser humano?

Enquanto isto no Haiti a história fica mais fácil: (no poder de 1957-1971) e depois seu filho Baby Doc (1971-1986) matavam as pessoas, destruíam as florestas, levaram a ruína o já combalido Haiti (o menor Índice de Desenvolvimento Humano fora da África) e personificaram a mais pura maldade, inclusive a espiritual, com os conhecidos rituais de magia negra. (Diamond não conta, mas a lenda diz que, depois da morte de Papa Doc, os galos ficaram três dias sem cantar). O Haiti nunca mais se recuperou (se o leitor me dá licença pra atravessar a conversa, para mim, é no mínimo estranho o exército brasileiro atuar no Haiti, mas não em áreas violentas de nosso país).

Além de florestas em pé os “ditadores ecológicos” criaram um verdadeiro nacional-ambientalismo, e hoje a República Dominicana conta com um grande número de ONGs genuinamente nacionais, e que lutam desesperadamente pra melhorar a situação do país, com sérios problemas de lixo, recursos marinhos e florestas ameaçadas pelas invasões dos vizinhos haitianos. Para Diamond, a comparação entre haitianos e dominicanos, é um clássico exemplo de que “o destino de uma sociedade repousa em suas próprias mãos e depende substancialmente de suas próprias escolhas”.

China

E eis outra sina mostrada por Diamond: a China é um gigante que gosta de ressaltar seu crescimento, mas sua tecnologia é essencialmente obsoleta, poluidora (a despeito da maravilhosa e moderna Xangai) e ineficiente. Sua produção de amônia, por exemplo, a partir do carvão, consome 42 vezes mais água do que a produção a base de gás natural de outros países. Seus problemas ambientais mais prementes são: a poluição do ar (das 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 estão na China), a da água (não há tratamento de esgotos), somados ao assoreamento de rios causado por erosões de grandes áreas agrícolas, que para se instalarem, destruíram as poucas florestas chinesas, suas pradarias e pântanos ocasionando ainda altas taxas de extinção de espécies. “A determinação da China comunista em não repetir os erros do capitalismo levou-a a desprezar as preocupações ambientais como apenas mais um erro capitalista, sobrecarregando-a com enormes problemas ambientais”. Alguns economistas apontam ainda que os ganhos da China, medidos pelo PIB, seriam reduzidos em pelo menos 30 por cento ou até anulados na opinião do Banco Mundial, se fossem descontados o jeito irresponsável como lida com o meio ambiente. Apesar disto a China tem 13 por cento de seu território protegido em 1757 reservas naturais (pelo menos no papel).

Sinceramente, me espantou que um autor cuidadoso com a literatura científica, não tenha citado o fato que a China sobre-estima alguns números de seu crescimento. Por exemplo, tempos atrás um pesquisador de primeiro time da pesca mundial, Daniel Pauly, denunciou que a China mentia sobre seus desembarques pesqueiros, pois era ecologicamente impossível ter capturado as quantias que relatava a ONU (já que o crescimento e reprodução de peixes têm limites biologicamente estabelecidos).

Austrália

A Austrália tem um ambiente fragilíssimo: muitos desertos, pouca água doce e só algumas áreas onde é possível praticar a agricultura, mas uma economia vigorosa baseada no método de agregação de valores nos produtos refinados (apenas 3 por cento do PIB australiano é agrícola). E olha que foram 80 anos (de 1770 a 1840) de desembarque de condenados ingleses que literalmente “fizeram o país”.

O que fazer — A última parte do livro de Diamond é devotada ao “Que fazer?”, com comentários mais genéricos sobre o mundo em que vivemos, e nela o autor oscila entre a genialidade informada e a ignorância simples e ingênua, por exemplo, quando diz que as cidades são “parasitas da zona rural”. Ah, é? Quer dizer que os urbanóides não pagam pela comida? E onde moram os comerciantes dos alimentos? E a cadeia produtiva? E os subsídios agrícolas, são bancados por quem?

Para Diamond os 12 problemas ambientais mais sérios são:

1. desmatamento e perda de hábitat;

2. queda nos estoques pesqueiros e de outros organismos aquáticos;

3. extinção de espécies;

4. erosão de solos;

5. não renovação das maiores fontes de energia do mundo (carvão, gás, petróleo);

6. contaminação da água doce;

7. capacidade fotossintética (um problema mal explicado por Diamond);

8. indústrias químicas poluidoras;

9. espécies exóticas invasoras;

10. aquecimento global;

11. aumento populacional;

12. incremento de consumo per capita.

O esforço de Diamond é louvável, mas ele insiste que é preciso resolver todos os 12 problemas. Pois bem, mas quem quer resolver todos não consegue resolver nenhum, e ele ainda luta para mostrar que os chavões simplistas e anti-ambientalistas do tipo “a tecnologia resolverá nosso problemas” estão totalmente errados, mas é incompreensível quando diz que acha “um absurdo o fato de alguém louvar os automóveis por serem limpos e silenciosos”. Mas queria o quê? Que continuassem sujos e barulhentos?

Aliás, sobre o aquecimento global, Diamond aparentemente esquece o que disse na página 269, ao contar a história dos vikings: “Durante as viagens muitos barcos vikings se perderam em meio ao Atlântico Norte, que naquela época [800 d.C.] de clima mais quente estava livre de icebergs que posteriormente se tornaram uma barreira para a navegação (…) O clima na Groenlândia era semelhante ao de hoje em dia, ou mesmo ligeiramente mais quente”. Então, Mr. Diamond, o mundo já foi mais quente que hoje e nem havia carros, ou o consumismo exagerado do primeiro mundo. E agora, Jared? O aquecimento global é provocado pelo homem (como afirmam inúmeros trabalhos publicados na Nature e Science) ou apenas uma oscilação natural da temperatura do planeta (como afirmam outros inúmeros trabalhos das mesmas revistas científicas)?

Para Diamond, seu livro é otimista. Para outros é alarmista. Euler de França Belém, que me presenteou com esta jóia de ricas informações (mais volumoso que luminoso), pergunta-me, em sua simpática dedicatória, se é possível não ser catastrofista ao tratar dos problemas do meio ambiente.

Uma pergunta não é o melhor meio de responder outra, mas vá lá: será que existe algum problema humano em que não temos que ser catastrofistas? Olhemos as artes contemporâneas (onde parece que o bonito é ser feio), a falta de educação (formal e de berço) dos nossos jovens (e de adultos também, que jogam lixo pela janela do carro…), os problemas de saúde (tanto de carência de gestão e recursos, como o risco de endemias etc…), de segurança pública (até o exército é necessário), de economia frágil em muitos países dependentes de poucos produtos, do terrorismo, das guerras, do aumento da taxa de suicídio, da intolerância islâmica com os cristãos… Todos estes são problemas altamente passíveis de serem considerados catastróficos, mas sempre é prudente pôr os pés no chão, inclusive para resolvê-los melhor.